quarta-feira, 7 de agosto de 2013

VIAGENS NA HISTÓRIA - 25


A OCULTAÇÃO

Desta vez, a viagem na História — ou melhor: as viagens, pois que são várias, reduzem-se a simples e breves menções que servirão somente para ilustrar um tema. E aqui estão elas:
Reinado de D. Afonso II (1211 – 1223): o rei — que convoca as primeiras cortes de que há notícia no país — inicia uma política de centralização inspirada no direito romano: tudo e todos (incluindo o próprio soberano) devem estar subordinados à lei e à coroa, ou seja, ao Estado. É uma ideia singularmente moderna e praticamente desconhecida na Europa feudal. Reinado de D. Dinis (1279 – 1325): ao contrário do que sucede em boa parte da Europa continental, os cavaleiros templários, perseguidos pelo Papa e pelo rei de França, são protegidos pelo rei de Portugal, que para eles cria a Ordem de Cristo. 1383 – 1385: eclosão e triunfo em Portugal que uma revolução que coloca o país na vanguarda da evolução política e social europeia.
Podia continuar com estas «viagens», mas não será preciso. Importa, agora, verificar que todos os factos apontados, por significativos e importantes que sejam, e são, mantém-se larguissimamente ignorados dos europeus em geral e até mesmo os portugueses não os conhecem bem — bastará dizer que hão-de conhecer muito melhor o número de calos nos pés de Cristiano Ronaldo.
Chegados aqui, vamos considerar brevemente um texto de Gilbert Durand, um conhecido e respeitado autor francês, filósofo, antropólogo, estudioso do imaginário e da mitologia. Num texto apresentado em 1987, num colóquio em Nova Deli, Durand referia a «estranha ocultação» da importante presença em Portugal das teorias do famoso abade calabrês Joaquim de Flora (1132 – 1202) — que, apesar de terem sido condenadas pela Igreja, tiveram entre nós grande aceitação, pois que delas se originou o culto popular do Espírito Santo, que ainda hoje tem manifestações em Tomar, Sintra e Açores. Gilbert Durand espanta-se porque nenhum dos grandes especialistas europeus sobre o assunto, de René Guénon ao padre Henri de Lubac, mostram conhecer o «caso português».
Ora bem: essa lacuna não me espanta, a mim, que já conheço as que atrás referi e muitas outras ainda. De certo modo, os países pequenos sofrem essa desatenção: para a maior parte  das pessoas, César Franck, André Cluytens e Johnny Hallyday (!) são franceses, quando, na realidade, são belgas, pelo menos de origem.

Nave central do Mosteiro de Alcobaça
A França, note-se, também nacionalizou unilateralmente Vieira da Silva. E a verdade é que, com Portugal, a amnésia ou a ignorância do mundo são piores; porque o que conta no mundo é o poderio económico e/ou militar e assim só as grandes potências têm estrelas no seu firmamento.
Todavia, eu pergunto-me: serão hoje estas duas razões, pequenez de território e fraqueza económico-militar, as únicas, para nós? Quer-me parecer que não. A verdade é que estamos em período de autonegação e de masoquismo endémico; para além da selecção nacional de futebol, nada nos entusiasma e a nossa afirmação como povo e país parece-nos coisa ridícula ou, pior, fascista.
Claro, se assim fosse, toda a Espanha seria
fascista e o mesmo, ou mais, seria verdade para os Estados Unidos.
Mas o mais grave de tudo, julgo eu, é que os méritos que apontei e que o mundo ignora sobranceiro — também nós os ignoramos. Não que sejamos sobranceiros: apenas ignorantes.

João Aguiar

Charola do Convento de Cristo - TOMAR


1 comentário: