sábado, 9 de março de 2013

VIAGENS NA HISTÓRIA - 15


A RESTAURAÇÃO ESQUECIDA

Penso que todos os portugueses, mesmo os mais distraídos e os mais ignorantes, sabem em que consistiu a Restauração e até lhe conhecem a data, mesmo porque é feriado nacional. Porém, convido-vos hoje a viajar até ao início do século XIX, para evocarmos uma outra restauração, talvez menos espectacular e não tão bem sucedida, mas que, mesmo assim, merece um lugar na nossa memória.
Vamos, pois, até aos princípios do Verão de 1808. No últimos meses do ano anterior, um exército napoleónico comandado pelo general Junot ocupara Portugal e a família real portuguesa embarcara para o Brasil. Quem governava o reino, agora, era Junot e podemos calcular que não o fazia com grande (ou pequeno) carinho ou respeito pelos Portugueses. Aliás, a diplomacia delirante de Napoleão previra o desmembramento do país em três partes, como bolo cortado em três fatias.
Pois bem, no início de Junho de 1808 o Porto sublevou-se — e, como um rastilho, a revolta espalhou-se, praticamente, a todo o país. O general Manuel Gomes Sepúlveda, governador das armas de Trás-os-Montes, lançou-se na resistência com a maior energia, apesar dos seus setenta e três anos: em Bragança, fez aclamar o príncipe regente, D. João (futuro D. João VI), criou uma junta governativa, mobilizou os trasmontanos, formou regimentos de milícias; o movimento espalhou-se pelo Minho, e cobriu, assim, boa parte do Norte: Braga, Barcelos, Guimarães, Viana, Melgaço, Chaves. O general Loison, o tristemente famoso «maneta», que cometeu terríveis atrocidades, tentou avançar sobre o Porto mas foi cercado em Mesão Frio e retirou para Almeida, fazendo sempre sangrentas tropelias; e a revolta chegou a Aveiro, a Coimbra, à Figueira da Foz.
Mosteiro de Alcobaça - Nave central
Também o Alentejo se levantou contra o ocupante; e no Algarve o primeiro brado foi ouvido em Olhão: a 16 de Junho era aclamado aí o príncipe regente e em Faro o general francês Maurin recebia voz de prisão, ao mesmo tempo que os restantes franceses eram expulsos. Foi então que um certo Manuel Garrocho, marinheiro de Olhão, decidiu, loucamente, meter-se com os companheiros no seu pequeno caíque Bom Sucesso e ir até ao Brasil, nada mais nada menos, para informar o regente de que Portugal estava a expulsar os invasores — e o mais extraordinário é que conseguiu lá chegar.
Como evoluiu esta restauração do reino? Não tão bem como a outra, é verdade. Mas também será verdade que, pelo menos numa fase inicial, terá facilitado bastante o trabalho às tropas inglesas que desembarcaram pouco depois em Portugal e que, apoiadas por unidades portuguesas, viriam a derrotar as forças de Junot na Roliça e no Vimieiro. Essas duas batalhas puseram termo à primeira invasão francesa; e assim, a restauração de 1808 foi, de facto, vitoriosa e efectiva.
Como sabemos, houve mais duas invasões napoleónicas e, tanto sob o ponto de vista militar como político, as coisas não foram simples e ao povo português estavam ainda reservados muitos sofrimentos. Isso, porém, não impede que esta restauração mereça fazer parte da nossa memória — e, com ela, o nome do general Sepúlveda. De que ninguém fala — o que é, no mínimo, lamentável. Mas já nos vamos habituando: não é um futebolista…
 João Aguiar

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