quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

VIAGENS NA HISTÓRIA - 14


UM SIMPLES SOLDADO

Este mês, a nossa viagem na História leva-nos a França e ao ano de 1918. Foi, como se sabe, o último da I Guerra Mundial, mas não foi menos sangrento do que os anteriores.
Portugal entrara oficialmente no conflito, contra os impérios centrais, em 1916; porém, na Europa — pois que em África houvera já escaramuças com tropas alemãs —, o envio do Corpo Expedicionário Português (CEP) só se concretizaria em finais de Janeiro de 1917. Não vou aqui analisar a fundo os motivos que levaram o Governo português de então a fazer alinhar o país com um dos blocos beligerantes; regra geral, aponta-se como principal razão a necessidade de poder defender o império colonial, sobretudo Angola e Moçambique; pela minha parte, e embora não recusando a validade dessa perspectiva, suspeito que, a complementá-la, estaria o desejo da República, então ainda muito recente mas já precocemente debilitada, abalada por dissensões internas, por uma grave instabilidade e sérias provações económicas e financeiras, de encontrar uma forma de minimizar esses problemas contrapondo-lhes um projecto nacional, mobilizador, que concentrasse interesses e atenções.
Para o caso em apreço, isso não interessa, de resto. O «caso» em apreço é um só homem, um jovem camponês transmontano de vinte e dois anos, nascido em Valongo, concelho de Murça, a quem tinham vestido um uniforme e incorporado no Regimento de Infantaria 19, de Chaves. Chamava-se Aníbal Augusto Milhais; ficaria, porém, na História sob o nome de Soldado Milhões.
O rapaz embarcou para França a 23 de Maio de 1917. Não sabia, evidentemente, que embarcava para um destino histórico — e lendário, já que os relatos das suas proezas divergem em vários pontos. Do que não há dúvida é que Aníbal Milhais entrou na galeria dos heróis portugueses durante a batalha de La Lys, a 9 de Abril de 1918.
Com este nome designa-se o combate do primeiro dia da grande ofensiva alemã contra a 2ª Divisão do CEP, como parte da «Operação Georgette», lançada pelo 6º Exército alemão do general Ludendorff. Foi nesse combate que Milhais ganhou o seu nome de honra: a bravura que mostrou foi tal que o seu comandante, o major João Ferreira do Amaral, o abraçou e lhe disse: «Chamas-te Milhais, mas vales milhões!». E o «Milhões» ficou.
Três meses depois, em Julho, o Soldado Milhões tornava-se definitivamente célebre: no campo de Isberg, sozinho, empunhando a sua metralhadora Lewis, cobriu e protegeu a retirada dos seus camaradas portugueses e de soldados escoceses. Consta que se houve de tal forma que os alemães pensaram estarem a enfrentar toda uma unidade inimiga. Em consequência — coisa muito rara — recebeu a Torre e Espada no próprio campo de batalha, das mãos do general Gomes da Costa. A esta distinção seguir-se-ia a Cruz de Guerra, a Cruz de Leopoldo da Bélgica e muitas outras.
Nada disto impediu que mais tarde, em 1928, o herói emigrasse para o Brasil, para ver se conseguia sustentar os filhos: uma pátria agradecida NÃO velava por ele… porém, os portugueses residentes no Brasil abriram uma subscrição a seu favor, para que pudesse viver dignamente no seu país. E Milhões regressou a Portugal. Dedicou-se uma vez mais à lavoura, o seu ofício de sempre; e veio a falecer em 1970.
Teve honras militares; fizeram-lhe um monumento. Mas eu penso, humildemente, que é preciso algo mais: manter viva a sua memória. Não temos assim tantos como ele para nos darmos ao luxo de esquecer.
João Aguiar


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