sábado, 2 de fevereiro de 2013

VIAGENS NA HISTÓRIA - 13


O QUE FALTAVA DIZER

Não é a primeira vez que, nestas crónicas, abordo a revolução de 1383 – 1385. Aliás, a crónica do mês passado focava um assunto que lhe está muito próximo, isto é, a batalha dos Atoleiros. Ora, se volto à mesma época e a um tema já referido anteriormente, é por duas razões; primeira, nunca é demais recordar um facto tão importante e que tende a cair no esquecimento; 1383 deveria ser recordado, pelo menos, com o destaque dado ao 25 de Abril de 1974. Segunda razão: faltava ainda dizer-vos qualquer coisa — o significado europeu, e mesmo mundial, do que ocorreu durante aqueles dois anos dos finais do século XIV.
Às vezes, temos uma visão mais nítida do nosso país quando o olhamos com os olhos de um estrangeiro. É o que se passa neste caso em relação a um autor pouco conhecido, o francês Dominique Lelièvre, autor de um livro que passou quase desapercebido: «Mer et Révolution». A maior parte desta obra não nos traz propriamente novidades, mesmo porque, na sua maioria, as fontes são portuguesas (a começar pelo incomparável Fernão Lopes). Porém, ao introduzir o assunto do seu livro perante os leitores, o autor faz algumas considerações que, regra geral, os meus compatriotas (aqueles, bem poucos, que conhecem o assunto) nunca fazem, nem lhes entra sequer na cabeça.
É assim que Dominique Lelièvre faz notar que os portugueses «foram os únicos na Europa a conseguir com êxito, à escala de uma nação, uma “revolução burguesa” (1383 – 85)». E, mais adiante, acrescenta: «Se o caso de Portugal é único, não é por isso menos exemplar, tanto pela vitória conseguida pelas armas com uma táctica tipicamente “burguesa” já experimentada na Flandres perante os orgulhosos senhores franceses, como pelos avanços sociais, mesmo que estes hajam sido minimizados ao longo dos decénios seguintes. Desta “revolução burguesa”, cujo primeiro mérito é o seu êxito, nasce uma nova dinastia que levará Portugal ao firmamento dos países descobridores. Estes acontecimentos revolucionários mereciam ser conhecidos e reconhecidos».
Conhecidos e reconhecidos: é isso o que faz falta. Tanto a nível internacional como (em primeiro lugar) a nível nacional. Na Europa, o século XIV, tempo de transição, foi fértil em levantamentos populares, motins e revoltas. De todos esses tumultos, os mais conhecidos foram as «jacqueries», em França. As classes populares queriam libertar-se do jugo da nobreza, os burgueses queriam um lugar ao Sol. Mas, nesse século XIV, tais movimentos acabaram por ser todos esmagados; serviram de prelúdio à futura transformação e nada mais. Excepto em Portugal. Aí — ou melhor, aqui — a revolução venceu; e venceu (o que é muito importante) de um modo «operacional», isto é: foi possível encontrar um novo equilíbrio. De modo revolucionário, contra toda a tradição, elegeu-se um novo rei para que iniciasse uma nova dinastia. O povo reclamou ao Mestre de Avis que os ricos pagassem taxas, fintas e talhas, tal como os pobres pagavam. Os mesteirais passaram a estar representados no governo municipal de Lisboa e outras cidades. O conselho régio deixou de ser somente formado por nobres e membros do alto clero: os letrados falavam agora mais alto.
Não tenho espaço, evidentemente, para enumerar as mudanças trazidas pela revolução. O que importa, repito, é que, na ideia de um escritor não português, esta revolução é um caso único e exemplar.
O que é inteiramente correcto. Mas nós, os descendentes de toda aquela gente que fez a revolução de 83 – 85, teremos acaso uma opinião sobre o assunto? Saberemos, sequer, de que é que se trata?
É uma dúvida, no mínimo, angustiante.
João Aguiar


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