terça-feira, 8 de janeiro de 2013

VIAGENS NA HISTÓRIA -11


UM SOLDADINHO DE MOURA

Esta nova viagem ao passado histórico tem como inspiração directa um facto bem recente: há muito pouco tempo, alguns jornais, que naquele momento não tinham desgraças suficientemente sangrentas para noticiar, resolveram dar certo relevo a uma «sondagem» segundo a qual uma eventual anexação (ou integração, ou dê-se-lhe o nome que se quiser) de Portugal pela Espanha agradaria a mais de metade dos espanhóis e a cerca de um quarto dos portugueses.
Não vou comentar estes dados, porque já o fiz em outra circunstância. E não vou, certamente, gritar contra os espanhóis integracionistas, que, enfim, têm o direito à sua opinião. Prefiro fazer, convosco, mais uma destas nossas viagens pela História, tendo como referência temporal o ano de 1641, como local as proximidades de Olivença e como protagonista, não um grande fidalgo nem sequer um grande burguês, mas antes um homem vulgaríssimo, hoje praticamente esquecido: um soldadito nascido na vila de Moura, chamado, muito simplesmente, Roque Antunes.
Estava-se, como a data nos indica, no início da Guerra da Restauração. E a este Roque Antunes, deu-lhe na bolha, imagine-se, oferecer-se como voluntário ao exército português. Conta ainda a história que, a 9 de Junho de 1641, ele participou numa avançada contra Badajoz, sob o comando de D. Francisco de Sousa, o mesmo que recebera a rendição da guarnição espanhola do forte de São Julião da Barra. Ora, a dada altura, perto de Olivença, deu-se um recontro com a cavalaria inimiga e Roque Antunes, com mais nove camaradas de armas, viu-se cercado. Há duas versões para o aconteceu a seguir: segundo uma, o homem de Moura foi feito prisioneiro; segundo outra, não se quis render e continuou a lutar. Mas, para o caso, pouco importa; o que conta é que os cavaleiros espanhóis lhe gritaram que se rendesse e que, para o mostrar, bradasse «viva el-rei D. Filipe».
Roque Antunes recusou-se terminantemente. Ao brado «Quem vive?», respondeu sempre: «Deus e el-rei D. João, meu senhor». E, perante a insistência dos que o cercavam, acrescentou que «não queria vida» se o preço fosse reconhecer Filipe IV. Por isso, foi morto.
Narra ainda a história que daquele aperto conseguiram escapar três soldados portugueses, que lograram chegar a Elvas e aí contaram o sucedido a Matias de Albuquerque, então governador das armas do Alentejo, o qual deu ordens para que o corpo de Roque Antunes fosse trazido para a cidade e sepultado com todas as honras.
Bom. A história está contada. E, perguntarão os leitores, por que razão a coloquei eu ao lado da referência à notícia de uma sondagem segundo a qual (note-se que ignoro, de todo, a fiabilidade desta «apalpação»…) um quarto dos portugueses não se importariam de ver Portugal integrado na Espanha?
Oh, por nada, por nada, foi só uma lembrança…
Ou talvez fosse a ideia de que este homem que se deixou matar porque teimava em gritar «Viva D. João IV» não era um nobre nem um burguês mas sim, ao que tudo indica, um simples homem do povo.
Hoje, como sabemos, os nobres, enquanto tais, não têm expressão política. Em compensação, há alguns grandes burgueses que são, de facto, um problema.

João Aguiar

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