sexta-feira, 23 de novembro de 2012

VIAGENS NA HISTÓRIA 06


OS ATRASADOS
      Não nos cairá bem vermos um senhor de cinquenta ou sessenta anos empoleirado num skate fazendo habilidades; estará no seu direito e não virá mal ao mundo por causa disso, mas enfim, espera-se dele uma outra maturidade. Porém, muito mais chocante ainda, no meu humilde entender, é ver um jovem comportar-se e, sobretudo, pensar como um senhor de cinquenta ou sessenta anos. Ora, é isto, mais ou menos, o que me parece ver quando leio certos trabalhos de certos jovens historiadores  portugueses  que  escrevem  e pensam agarrados a conceitos que estão mais datados do que a própria História.
Esta crónica não pretende ser uma crítica e ainda menos um ataque pessoal, de modo que não citarei nomes — que, de resto, não interessam para o caso; em contrapartida, é forçoso que cite exemplos. Assim, num (aliás, bem documentado) trabalho relativo à batalha de Aljubarrota, encontrei a noção de que as causas do conflito seriam, na sua essência, ligadas à luta de classes — e nada mais; e num outro trabalho, de outro autor igualmente bem documentado, versando as batalhas navais de Chaul (1508) e Diu (1509), deparei com a afirmação definitiva, direi mesmo dogmática, de que, excepto talvez no caso da tomada de Ceuta, as causas da expansão portuguesa se resumiriam, muito simplesmente, à furiosa fome do lucro; não está escrito dessa maneira, mas é esse o claro sentido.
Ora bem. Eu conheço e rejeito a visão histórica que o velho Estado Novo nos impingiu durante meio século. Longe de mim acreditar ingenuamente que Portugal inteiro estava, como nação em armas, no campo de Aljubarrota; ou que partimos para o império imbuídos somente de ideais puros e o sonho de dar novos mundos ao mundo e aumentar a pequena Cristandade (noção que hoje, aliás, seria de validade altamente discutível, sobretudo se o aumento fosse feito pelas armas). Mas também sei que, se é verdade que essa visão está de todo ultrapassada, também o está a visão puramente «classista» e economicista da História, que é manifestamente incompleta. Deixou, há muito, de fazer sentido considerar apenas a luta de classes e a economia como motores do devir histórico. Motores únicos, entenda-se. Porque nem o homem nem o comportamento humano podem ser reduzidos estritamente a tais factores.
Se assim fosse, e para considerar os dois exemplos referidos, não haveria em Aljubarrota, no exército de D. João I, um só membro da alta nobreza; e, entre os portugueses integrados no exército de Castela, só haveria, estritamente, grandes nobres, desprovidos da sua peonagem e outros acompanhantes e auxiliares. Do mesmo modo, no exemplo imperial, a coroa portuguesa teria abandonado, sistemática e rapidamente, as praças que não lhe rendiam sólidos metais, aquelas onde só se consumiam cabedais e vidas, sem proveito. Ora, sabemos que isto não é verdade — e este não ser verdade contribuiu para que, apesar das inegáveis rapinagens, saques e outras tropelias, terminássemos o ciclo imperial praticamente tão pobres como quando o começámos.
Em ambos os exemplos, houve, parece-me, algo mais do que um motivo único. A análise desse «algo mais» é, de resto, uma das matérias mais interessantes da pesquisa histórica. E não entendo como há gente, gente nova, que se mantém agarrada à já velha noção reducionista, que, além de ignorar os factores psicológicos, a mentalidade e os valores das várias épocas, se encerram numa torre feita de inenarrável secura e inenarrável tédio.
João Aguiar
Mosteiro da Batalha

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